Estratégias para detecção de sífilis usando aprendizagem de máquina

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A sífilis continua sendo um desafio significativo para a saúde pública devido à dificuldade de diagnóstico rápido, preciso e acessível. Métodos laboratoriais convencionais, incluindo testes treponêmicos e não treponêmicos, apresentam limitações em sensibilidade, especificidade, custo e infraestrutura, além de não diferenciar infecções ativas de passadas. Neste contexto, a saliva surge como uma matriz não invasiva e de baixo custo, contendo biomarcadores relevantes para diagnóstico. Aproveitando essas características, pesquisadores desenvolveram uma plataforma que une espectroscopia no infravermelho com reflectância total atenuada (ATR-FTIR) e algoritmos de aprendizagem de máquina para analisar amostras de saliva e sangue. O sistema funciona a partir de uma coleta simples, seguida pela leitura do espectro químico da amostra e pela classificação digital dos resultados. A plataforma pode ser portátil, operar sem a necessidade de reagentes químicos, ser sustentável, ter baixo custo e permitir monitoramento remoto, oferecendo alta acurácia e potencial para expandir o acesso a diagnósticos eficientes.

Palavras-chave: Sífilis, diagnóstico salivar, ATR-FTIR, aprendizado de máquina, inteligência artificial, triagem portátil, reagent-free, inovação tecnológica.

Autores: Virgínia Braga da Silva, Max Roberto Batista Araújo, Evandro Bento Rodrigues, Luan Freitas Lana, Diogo Luiz de Carvalho Castro, Genrikh Ashniev Alfredovich, Rafael Augusto Ribeiro, Vinícius Dias do Carmo Costa, Maria Letícia Carneiro Rodrigues,  Vasco Azevedo

Introdução

A sífilis é uma infecção sexualmente transmissível causada por bactérias do gênero Treponema, sendo a espécie Treponema pallidum a de maior relevância médica. Esta espécie é subdividida em três subespécies: T. pallidum pallidum, responsável pela sífilis venérea; T. pallidum endemicum, causadora do bejel; e T. pallidum pertenue, associada à bouba. A sífilis venérea pode ser transmitida sexualmente ou da mãe para o feto, enquanto as demais subespécies se disseminam por contato direto. Apesar das semelhanças morfológicas e sorológicas, análises genômicas e diferenças na patogênese permitem a diferenciação das subespécies, incluindo tempo de infecção, vias de transmissão e manifestações clínicas [1–3].

Os estágios clínicos da infecção por T. pallidum pallidum variam desde a úlcera inicial (cancro) até complicações neurológicas e cardiovasculares em fases tardias, com manifestações secundárias, latentes e terciárias distintas [4]. Globalmente, a sífilis permanece um problema de saúde pública significativo, com 18 milhões de casos estimados em 2012 e mais de 6 milhões de novos casos anuais [5].

Em 2024, o Brasil registrou 256.830 casos de sífilis adquirida. No mesmo ano, foram notificados 89.724 casos de sífilis em gestantes e 24.443 casos de sífilis congênita, além de 183 óbitos relacionados à infecção. Esses dados reforçam a magnitude da sífilis como um importante desafio de saúde pública no país [6]. A alta incidência entre homens que fazem sexo com homens (HSH) e a coinfecção com HIV evidenciam o impacto do vírus sobre a suscetibilidade, complicações neurológicas e falhas terapêuticas [3,7–9].

Embora o tratamento padrão com penicilina seja eficaz em todos os estágios, os macrolídeos, uma classe de antibióticos que atuam inibindo a síntese de proteínas bacterianas, são alternativas para contraindicações, falhas terapêuticas recentes, resistência e desafios na adesão, reforçando a necessidade de estratégias complementares [3,10–12]. O diagnóstico laboratorial é complexo e depende de métodos diretos, como microscopia de campo escuro, coloração por prata e PCR, ou testes sorológicos treponêmicos e não treponêmicos (FTA-ABS, ELISA, VDRL, RPR, TRUST) [3,4,13–15]. Cada abordagem apresenta limitações em sensibilidade, especificidade, tempo de resposta, custo e infraestrutura, e muitos testes não distinguem infecções ativas de pregressas. Além disso, testes como o VDRL podem gerar resultados falsos-positivos em doenças infecciosas ou autoimunes [13–15].

Entre 2010 e junho de 2025, o Brasil registrou 1.902.301 casos de sífilis adquirida, com tendência geral de aumento na taxa de detecção, exceto em 2020, quando houve redução expressiva para 61 casos por 100 mil habitantes, possivelmente em decorrência do impacto da pandemia nos serviços de saúde, evidenciando, diante da complexidade diagnóstica e das limitações dos métodos padrão-ouro, a necessidade urgente de desenvolver estratégias mais rápidas, precisas, acessíveis e capazes de superar as fragilidades dos modelos tradicionais [3,10–15].

Diante do aumento contínuo dos casos, das limitações persistentes dos métodos diagnósticos tradicionais e da urgência por soluções mais ágeis e acessíveis, cresce o interesse por abordagens capazes de simplificar e ampliar a detecção da sífilis. Este artigo tem como objetivo discutir o potencial da combinação entre uma metodologia de detecção e modelos de aprendizado de máquina aplicada à saliva como uma ferramenta inovadora de triagem da sífilis.

 

 

Contextualização

Os métodos laboratoriais tradicionais apresentam limitações, e há testes que ainda requerem a coleta de sangue e reagentes específicos, o que dificulta sua aplicação em regiões com recursos escassos. O uso de saliva se mostra como uma alternativa promissora: é não invasiva, de baixo custo e fácil de obter, e pode possuir biomarcadores relevantes para o diagnóstico [15]. ATR-FTIR é uma técnica analítica que combina a espectroscopia de infravermelho com transformada de Fourier (FTIR) com a geometria de Refletância Total Atenuada (ATR) para analisar a composição e estrutura molecular de materiais. A combinação de ATR-FTIR com a inteligência artificial tem potencial para realizar análises clínicas mais precisas e sem a necessidade de reagentes, destacando o caráter inovador e de expansão do acesso à saúde.

 

Estratégias de análises e desenvolvimento

É possível, a partir de um conjunto amplo de amostras de saliva e, quando disponíveis, de sangue de pessoas que já haviam realizado o teste VDRL executar uma validação pareada por ATR-FTIR e construir um algoritmo que possa distinguir amostras positivas de negativas para sífilis. Todo o processo deve seguir cuidados éticos e técnicos, garantindo que apenas materiais íntegros e devidamente consentidos sejam incluídos.

À medida que muitos participantes contribuam com suas amostras, uma base robusta começa a se formar. Esses dados servem de matéria-prima para treinar algoritmos de Inteligência Artificial capazes de reconhecer, nos espectros gerados pela técnica ATR-FTIR, padrões associados à presença da infecção. A combinação entre espectroscopia, pré-processamento criterioso e modelos de aprendizado de máquina abre caminho para uma ferramenta que busca enxergar a doença de forma completamente nova: pela assinatura molecular registrada na saliva.

O resultado dessa integração tecnológica tem potencial para uma plataforma portátil, de baixo custo e livre de reagentes, que pode ser operada até mesmo por meio de um aplicativo no smartphone. Mais do que facilitar o acesso ao diagnóstico, essa abordagem pode promover um monitoramento rápido e remoto, ampliando as possibilidades de triagem em diferentes contextos. A discussão que emerge não é apenas sobre inovação, mas sobre como soluções simples e sustentáveis podem transformar o enfrentamento de doenças que ainda representam um desafio de saúde pública.

 

 

 

Conclusão

A integração bem-sucedida de espectroscopia ATR-FTIR com algoritmos de aprendizado de máquina estabelece uma nova fronteira para o diagnóstico da sífilis, permitindo a detecção rápida, precisa e não invasiva da sífilis em amostras de saliva, superando as limitações dos testes tradicionais. A plataforma portátil e livre de reagentes pode ter alto potencial para ampliar o acesso a diagnósticos eficientes, especialmente em regiões com recursos laboratoriais limitados. Uma abordagem tecnológica que poderá representar um avanço significativo na triagem da doença e na promoção da saúde pública.

 

Referências

[1] de Melo, FL; de Mello, JC; Fraga, AM; Nunes, K; Eggers, S. Syphilis at the crossroad of phylogenetics and paleopathology. PLoS Negl Trop Dis. Vol. 4. p. e575 (2010). doi: https://doi.org/10.1371/journal.pntd.0000575

[2] Kumar Jaiswal, A; Tiwari, S; Jamal, SB; Barh, D; Azevedo, V; Soares, SC. An In Silico Identification of Common Putative Vaccine Candidates against Treponema pallidum: A Reverse Vaccinology and Subtractive Genomics Based Approach. Int J Mol Sci. Vol. 18. p. 402 (2017). doi: https://doi.org/10.3390/ijms18020402

[3] Peeling, RW; Mabey, D; Kamb, ML; Chen, XS; Radolf, JD; Benzaken, AS. Syphilis. Nat Rev Dis Primers. Vol. 3. p. 17073 (2017). doi: https://doi.org/10.1038/nrdp.2017.73

[4] Carlson, AJ. The immunopathobiology of syphilis: the manifestations and course of syphilis are determined by the level of delayed-type hypersensitivity. Am J Dermatopathol. Vol. 33. p. 433–460 (2011). doi: https://doi.org/10.1097/DAD.0b013e3181e8b587

[5] Newman, L; et al. Global estimates of the prevalence and incidence of four curable sexually transmitted infections in 2012 based on systematic review and global reporting. PLoS One. Vol. 10. p. e0143304 (2015). doi: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0143304

[6] Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente. Departamento de HIV, Aids, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Boletim Epidemiológico de Sífilis 2025. Brasília: Ministério da Saúde. Vol. 1. p. 1 (2025).

[7] Rekart, ML; Ndifon, W; Brunham, RC; Dushoff, J; Park, SW; Rawat, S; et al. A double-edged sword: does highly active antiretroviral therapy contribute to syphilis incidence by impairing immunity to Treponema pallidum? Sex Transm Infect. Vol. 93. p. 374–378 (2017). doi: https://doi.org/10.1136/sextrans-2016-052870

[8] Tuddenham, S; Shah, M; Ghanem, KG. Syphilis and HIV: Is HAART at the heart of this epidemic? Sex Transm Infect. Vol. 93. p. 311–312 (2017). doi: https://doi.org/10.1136/sextrans-2016-052940

[9] Salado-Rasmussen, K. Syphilis and HIV co-infection. Epidemiology, treatment and molecular typing of Treponema pallidum. Dan Med J. Vol. 62. p. B5176 (2015).

[10] Korenromp, EL; et al. Global burden of maternal and congenital syphilis and associated adverse birth outcomes—Estimates for 2016 and progress since 2012. PLoS One. Vol. 14. p. e0211720 (2019). doi: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0211720

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[12] Alsallamin, I; Alsallamin, A; Greene, S; Hammad, F; Bawwab, A. A Case of Neurosyphilis With Penicillin Failure. Cureus. Vol. 14. p. e21456 (2022). doi: https://doi.org/10.7759/cureus.21456

[13] Brasil. Ministério da Saúde. Manual técnico para o diagnóstico da sífilis. Brasília: Ministério da Saúde. Vol. 1. p. 1 (2021).

[14] Gaspar, PC. Brazilian protocol for sexually transmitted infections 2020: Syphilis diagnostic tests. Rev Soc Bras Med Trop. Vol. 54. p. 1–8 (2021). doi: https://doi.org/10.1590/0037-8682-630-2020

[15] Bond, SM; Blain, MLM. Diagnosis and Treatment of Secondary Syphilis in Women. J Midwifery Womens Health. Vol. 66. p. 372–379 (2021). doi: https://doi.org/10.1111/jmwh.13241

 

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Editor-chefe do Portal BIOINFO. Mantido pelo comitê editorial, equipe administrativa e técnica.

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