Avanços e Aplicações da Inteligência Artificial e Toxicogenômica

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Os avanços em bioinformática, impulsionados por inteligência artificial e aprendizado de máquina, estão transformando a maneira como os cientistas abordam problemas complexos na biomedicina e biologia. A capacidade de integrar grandes volumes de dados biológicos com algoritmos avançados não só melhora a compreensão das doenças, mas também abre novas possibilidades para diagnósticos e tratamentos personalizados. Além disso, a interseção da bioinformática com a toxicogenômica está transformando o cenário da toxicologia, abrindo novos horizontes para este campo de pesquisa.

Autores: Marcos Antonio Nobrega de Sousa (https://orcid.org/0000-0001-6550-6609), Dácio Dacliélio Tenório da Silva (https://orcid.org/0009-0003-2441-3125), Amanda Santos de Souza (https://orcid.org/0009-0009-5840-8272), Francisca Vitória Amaral Nobrega (https://orcid.org/0000-0002-6480-1240)

Revisão: Rafael Pereira Lemos [ORCID: 0000-0002-5894-2354], Aline de Paula Dias da Silva [0009-0003-5022-0642], Sheila

Introdução

A bioinformática é uma área que analisa, interpreta e processa dados biológicos integrada à ciência da computação, estatística e matemática. O desenvolvimento da genética e do sequenciamento de DNA resultou em um grande número de dados biológicos, que necessitam ser analisados e interpretados [1]. Desta forma, a bioinformática tornou-se uma ferramenta valiosa para o diagnóstico de doenças, por meio da análise das sequências genéticas, previsão da estrutura proteica e descoberta de inibidores enzimáticos. Neste contexto, nosso grupo de pesquisa se dedica à pesquisa em bioinformática aplicada à toxicologia e análise de doenças genéticas humanas.

Os avanços da inteligência artificial na bioinformática 

A pesquisa em bioinformática, especialmente combinada com inteligência artificial (IA) e aprendizado de máquina (AM), provou ser uma ferramenta poderosa na pesquisa biomédica e na medicina personalizada. A combinação destas tecnologias permitiu a descoberta de biomarcadores, a predição da expressão genética e a descoberta de novos alvos terapêuticos. Por exemplo, a bioinformática combinada com algoritmos de aprendizagem automática pode identificar biomarcadores de nefropatia diabética e câncer renal utilizando dados transcriptômicos de bases de dados públicas como The Cancer Genome Atlas (TCGA) e Gene Expression Omnibus (GEO) [2, 3].

Além disso, o uso de métodos de AM em bioinformática facilitou a análise de grandes volumes de dados biológicos, permitindo a extração de padrões úteis que podem ser usados para melhorar o diagnóstico de doenças e na previsão de resultados clínicos [4]. A capacidade de processar grandes quantidades de dados complexos é especialmente importante em áreas como a oncologia, onde a investigação genética, como a identificação de genes relacionados ao câncer, pode levar ao aperfeiçoamento de um tratamento [5].

O desenvolvimento de ferramentas de bioinformática que utilizam bibliotecas construídas utilizando a linguagem de programação Python, e plataformas em nuvem para analisar dados de “ômicas”, também aumentou a liberdade do acesso a essas tecnologias [6]. Estas ferramentas não só facilitam a análise de dados, mas também permitem que pesquisadores de diferentes áreas trabalhem juntos e compartilhem dados e, melhor ainda, aprimorem novas pesquisas científicas.

A IA e a AM são promissoras, por exemplo, na previsão e modelagem de estruturas proteicas, onde podem levar a melhorias na produção de bioprocessos e produtos microbianos [7, 8]. A combinação de técnicas tradicionais de bioinformática com métodos de IA formam uma abordagem de ponta, permitindo aos investigadores explorar novas áreas da biologia e fazer previsões relevantes sobre a biologia e a medicina [9]. Por exemplo, o AlphaFold é um programa desenvolvido pelo Google DeepMind, que utiliza aprendizagem profunda  para previsão da estrutura 3D de proteínas com base na sua sequência de aminoácidos [10].

Dessa forma, a bioinformática está associada a vários eventos importantes para a compreensão da vida. Alguns exemplos são: projeto genoma humano, que levou a avanços significativos na medicina e em áreas da saúde [11, 12]; mapeamento de tipos de células do corpo humano [13]; no melhoramento animal, auxiliando o reconhecimento e seleção de genes, aumentando a eficiência econômica da produção agropecuária [14]; e no melhoramento de plantas, auxiliando a diminuir e eliminar pragas, doenças, e aumentando o valor nutricional de várias espécies vegetais [15-18].

A inteligência artificial aliada com a bioinformática foi um ponto fundamental no desenvolvimento das pesquisas durante a pandemia da COVID-19 proporcionando análises mais rápidas de diagnósticos e tratamentos mais eficazes [19, 20]. Ela tem auxiliado os pesquisadores na manipulação de grande quantidade de dados biológicos [19], na descoberta de novos medicamentos [20], e como ferramenta de rastreamento da sequência da proteína Spike, que é uma parte principal do vírus SARS-CoV-2 que causa a COVID-19, ajudando a elaborar vacinas com maior eficiência na defesa da população global [21].

Conexão entre Bioinformática e Toxicologia

Avanços na medicina personalizada vem estabelecendo conexões da genética com a toxicologia, abrindo um novo campo chamado de toxicogenômica [22-24]. A toxicogenômica utiliza tecnologias moleculares para analisar os efeitos de substâncias tóxicas em sistemas biológicos. Essa integração permite a identificação de vias moleculares e mecanismos de toxicidade.

Deste modo, pode-se desenvolver melhores medicamentos, tratamentos para doenças específicas, e detectar toxicidade química em fármacos [25]. A bioinformática, portanto, tem ajudado com programas para analisar a segurança de novos fármacos, de forma a deixar os tratamentos mais poderosos e acessíveis para a população [26-28]. 

Além disso, a inteligência artificial ligada à toxicologia tem diminuído o uso de testes em animais. Os modelos de IA podem analisar grandes volumes de dados rapidamente e com alta precisão, melhorando a eficiência dos testes toxicológicos. As novas abordagens metodológicas, como as relações quantitativas estrutura-atividade (QSARs) e redes neurais profundas, oferecem alternativas eficazes aos testes tradicionais. Entretanto, os modelos de IA precisam ser rigorosamente validados para garantir que os resultados sejam confiáveis e aplicáveis na prática, além de necessitar de dados disponíveis com alta qualidade e quantidade, o que pode ser uma limitação em alguns casos [29].

No entanto, o uso da toxicologia computacional, por meio da modelagem 3D de proteínas, tem contribuído para redução ou eliminação dos testes tradicionais [30,31]. Além disso, a integração de técnicas de aprendizado de máquina na toxicogenômica está abrindo caminho para a toxicologia preditiva, onde vários métodos de aprendizado de máquina estão sendo utilizados para prever efeitos tóxicos, mostrando o potencial destes métodos computacionais para fornecer novas informações sobre toxicidade [32].

As técnicas bioinformáticas devem ser utilizadas como método primário de rastreio biológico, e não apenas como ferramenta representativa de avaliação de riscos, embora seja necessária, antes de sua ampla utilização, a confirmação por meio de estudos experimentais. O termo rastreio biológico refere-se à capacidade de acompanhar e identificar objetos, pessoas, locais e eventos relacionados a uma amostra biológica ao longo de seu ciclo de vida. Esse processo é essencial para garantir a segurança, a qualidade e a integridade das amostras, desde sua coleta até seu uso final [33].

A utilização de redes de expressão genética para melhorar a avaliação da segurança e a identificação de biomarcadores é um exemplo de como as ferramentas de bioinformática podem facilitar a tradução de dados toxicogenômicos em aplicações práticas. O modelo DTox foi aplicado para avaliar a segurança de novos compostos químicos. Ao treinar o modelo com dados de resposta a drogas e tratamentos disponíveis em repositórios públicos, foi possível prever os efeitos tóxicos de novos compostos de forma mais eficiente e precisa. Além disso, o modelo DTox também foi utilizado para analisar dados de toxicogenômica em busca de genes significativos que poderiam servir como biomarcadores. Ao utilizar representações visuais de dados tridimensionais de tempo e dosagem, o modelo conseguiu identificar genes importantes com maior precisão do que abordagens tradicionais baseadas em valores numéricos [34].

A transcriptômica também tem sido usada como uma ferramenta eficaz em testes de drogas e revolucionou a toxicogenômica ao permitir aos pesquisadores medirem as mudanças de expressão gênica em resposta aos medicamentos. Além disso, desempenha um papel importante na avaliação de riscos ambientais, medindo os efeitos causados por poluentes. As tecnologias toxicogenômicas também podem melhorar a avaliação de riscos ambientais, ao identificar alterações na expressão gênica e na atividade proteica resultantes de exposições tóxicas [35]. 

Essa abordagem não apenas auxilia na compreensão dos mecanismos de toxicidade, mas também na identificação de biomarcadores para exposição e risco à saúde humana. Estas ferramentas facilitam a tomada de medidas que contribuem para a melhoria da saúde pública.

Conclusão

Os avanços em bioinformática impulsionados por inteligência artificial estão transformando a maneira como os cientistas abordam problemas complexos na biomedicina e biologia, abrindo novas possibilidades para diagnósticos e tratamentos personalizados. Usando ferramentas computacionais avançadas, a combinação de bioinformática e toxicogenômica permite aos pesquisadores obter uma compreensão mais profunda dos mecanismos moleculares subjacentes à toxicidade. Esperamos que o desenvolvimento contínuo desta investigação melhore a nossa compreensão da segurança química, da saúde ambiental e, possivelmente, reduza a utilização de animais para testes toxicológicos.

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