O tutorial a seguir aborda a técnica de re-docking utilizada como etapa inicial em simulações de docking molecular para validar a ferramenta utilizada, bem como suas funções de pontuação. O re-docking consiste em separar um complexo proteína-ligante resolvido experimentalmente e buscar encontrar uma conformação parecida através do docking. Neste tutorial utilizaremos o PyMOL como uma ferramenta visual auxiliar para o re-docking utilizando o Vina.
Introdução
Docking, também conhecido como ancoragem, atracamento ou, ainda, acoplamento molecular, é um processo computacional que consiste em prever a melhor posição e orientação de um ligante em comparação a outra molécula, resultando em um complexo estável [1]. À medida que mais estruturas de proteínas são determinadas experimentalmente, o docking passa a ser cada vez mais usado como uma ferramenta que auxilia o melhor entendimento das funções e interações das proteínas e sua utilização em diversos campos de pesquisa [2].
Para isso, técnicas de re-docking e cross-docking são utilizadas como uma forma de validar e verificar a precisão das ferramentas e funções de pontuação utilizadas nas simulações. O cross-docking, por exemplo, é executado ao “encaixar” a molécula a um receptor não nativo, mas com estrutura proteica notavelmente similar, avaliando o RMSD entre o ligante resultante e o cristalográfico. No entanto, é importante observar que essa metodologia não será abordada neste tutorial [7].
O Re-docking, também conhecido como Auto-docking,é uma abordagem amplamente utilizada para a avaliação da precisão de um processo de docking em um programa. Como método de validação, seu principal objetivo é recriar a posição original (conformação) do ligante e do receptor quando ligados comparando-a com a estrutura experimentalmente resolvida. Isso tem por objetivo verificar a capacidade do programa em encontrar uma pose (ou, posição, como acima) que se assemelhe ao máximo à conformação experimental [6].
O Re-docking molecular pode ser realizado em quatro etapas principais:
1. Obtenção das estruturas de receptor e ligantes
2. Preparação das estruturas
3. Realização do docking
4. Avaliação dos resultados
Neste artigo, você irá aprender a realizar o re-docking molecular utilizando os programas Vina e o PyMOL. Para isso vamos utilizar algumas ferramentas:
- PyMOL – Para preparação da estrutura do receptor e selecionar resíduos de interface.
AUTODOCKTOOLS – ADT (MGLTools) – Preparação da estrutura do receptor e criação do grid (caixa de execução, ou seja delimitação da região onde o docking será realizado) [3].
Vina – Realização do docking [4].
Ressaltamos aqui que o tutorial a seguir se mostrou eficiente para os sistemas operacionais linux e Windows, no entanto se mostrou ineficiente para MacOS.
Instalando os programas
AUTODOCKTOOLS – ADT
Para baixar a ferramenta acesse: https://ccsb.scripps.edu/mgltools/downloads/
No site você irá encontrar versões para os diferentes sistemas operacionais Linux, Mac e Windows.
Figura 1- Site para baixar MGLTools.
Caso o seu sistema operacional seja Linux, após baixar o arquivo será preciso transformá-lo em um executável. Para isso, você deve clicar na tela com o botão direito e abrir o terminal. Após abrir o terminal você deve digitar o comando abaixo, para tornar o programa um executável. Note que essas etapas só devem ser realizadas se seu sistema operacional for Linux.
chmod +x ./mgltools_Linux-x86_64*
Depois de digitar o comando, você deve voltar para a pasta onde seu executável se encontra e clicar nele. Clique em “próximo”, aceite os termos e escolha o local onde a pasta será instalada. Após a instalação, uma outra pasta será criada. Para executar o programa, basta abrir a pasta MGLTools-1.5.7, em seguida a pasta Bin, e clicar no ícone “adt” , assim o programa será executado (Figura 2).
Figura 2- Página inicial do AutoDockTools.
Atenção! O AutoDockTools também está disponível na loja de aplicativos do Linux mint em sua versão 1.5.7-3 podendo ser instalado da própria loja apenas clicando em “instalar”, sem a necessidade de todos os passos descritos, porém nem sempre a versão da loja estará atualizada.
Para que não seja necessário estar sempre indicando o caminho dos arquivos executáveis no terminal, é possível criar variáveis de ambiente que serão reconhecidas por comandos em terminais abertos por qualquer usuário. Para isso devemos descrever no arquivo PATH quais diretórios serão exportados logo na inicialização do sistema e quais variáveis devem ser declaradas se assim estiverem disponíveis por comando no terminal. Para isso execute no Terminal Linux (Ctrl+T para abrir o Terminal).
sudo vim ~/.bashrc
Caso não tenha o Vim, você pode instalá-lo utilizando o comando:
sudo apt-get install vim
Depois de instalar, digite o comando anterior para acessar o arquivo. Vá até o final do arquivo e acrescente um comando semelhante ao abaixo:
export PATH=$PATH:'~/MGLTools-1.5.7/bin' alias pmv='//MGLTools-1.5.7/bin/pmv' alias adt='~/MGLTools-1.5.7/bin/adt' alias vision='//MGLTools-1.5.7/bin/vision' alias pythonsh='/*/MGLTools-1.5.7/bin/pythonsh'
Para sair e salvar aperte “Esc
”, digite “:wq
” e aperte “ENTER
” ao final – Atualize o arquivo PATH com o comando:
source ~/.bashrc
AUTODOCK VINA
O próximo passo é instalar o autodock Vina que pode ser baixado em: https://vina.scripps.edu/downloads.
Ou executando no terminal o comando para Download:
wget https://vina.scripps.edu/wp-content/uploads/sites/55/2020/12/autodock_vina_1_1_2_linux_x86.tgz
Com o gerenciador de arquivos, abra o arquivo compactado autodock_vina_1_1_2_linux_x86.tgz. Entre na pasta bin onde estão os executáveis: vina e vina_split. Faça a extração dos programas para a pasta: /home/MGLTools-1.5.7/bin. É preciso selecionar os dois arquivos para extrair apenas eles e não os outros diretórios. Para saber se foi instalado corretamente execute no terminal:
vina --version
Obs: Como esta pasta já está incluída nas variáveis de ambiente PATH, não é necessário realizar uma nova edição do PATH para inclusão do vina.
PyMOL
Para obter a versão educacional do PyMOL acesse: http://pymol.org/edu/index.php
Preencha o formulário e em seguida você receberá um email contendo login e senha, o link para baixar o PyMol e o arquivo de licença.
Para instalar a versão open source do PyMol podemos acessar o link abaixo:
https://github.com/schrodinger/pymol-open-source
Após baixar o arquivo, para realizar a instalalção basta digitar o código abaixo:
python setup.py install --prefix=~/someplace
Você também pode usar o comando abaixo no terminal se utilizar o linux, que instala a versão 2.5.0:
sudo apt install pymol
PLUGIN AUTODOCK VINA PYMOL
Para baixar o plugin no PyMOL acesse:
https://github.com/Pymol-Scripts/Pymol-script-repo/blob/master/plugins/autodock_plugin.py
Vá em “Plugin” e em seguida em “Install New Plugin” (Figure 3), “Choose file” e insira o arquivo baixado na etapa anterior.
Figura 3- Página Install New Plugin no Pymol
Re-docking com o PyMOL
No experimento de re-docking vamos selecionar uma estrutura complexo proteína-ligante resolvido experimentalmente e depositado no Protein Data Bank (PDB) (https://www.rcsb.org/). O ligante será removido e tentaremos chegar na mesma posição experimental através do docking. Portanto, obteremos uma validação do protocolo e um teste do algoritmo de atracamento para a proteína estudada. Ao final, podemos comparar as interações e o RMSD (Root Mean Square Deviation – Raiz Quadrada do Desvio Quadrático Médio) entre pose predita e a posição cristalográfica do ligante. Nesse caso, para testar vamos utilizar a estrutura cujo código de acesso no PDB é1UWJ.
O código corresponde a estrutura de uma proteína mutante, o complexo do mutante V599E B-RAF e BAY439006. A B-Raf é uma proteína codificada pelo gene BRAF e está envolvida na via RAS/MAPK, que regula o crescimento e a divisão celular. Mutações como a V599E de BRAF estão presentes em mais de 60% dos melanomas e foram encontradas em taxas mais baixas em carcinomas de pulmão, cólon e ovário. Nessa estrutura a proteína está complexada com um inibidor BAX [5].
1.Abra o pymol e digite o comando no terminal do PyMOL:
fetch 1uwj
2.Vamos remover a segunda cadeia apenas para facilitar o nosso experimento, uma vez que ela não participará do redocking. Remova a cadeia B com o comando:
remove chain B
3. Caso as estruturas tenham moléculas de água, em geral nessa fase elas são removidas. Caso se tenha evidências na literatura que a interação do receptor com o ligante necessita da interação com as moléculas de água, as moléculas que são importantes para interação devem ser mantidas. Clique em “action” em seguida “remove waters” .
Figura 4 – Removendo as moléculas de água da estrutura
Ou digite no terminal de comando
remove resn hoh
4. Agora vamos criar um objeto separado do ligante. Para isso vamos utilizar o seguinte comando.
extract ligante, resn BAX
Figura 5 – Extraindo o ligante
Em seguida, vamos criar um objeto contendo o inibidor e os resíduos de proteína a no máximo 5 Å de distância do composto, o objetivo aqui é selecionar os resíduos que fazem as interações moleculares mais próximas. Estamos utilizando 5 Å como exemplo, e esse valor pode ser alterado conforme o experimento realizado Para isso vamos utilizar o comando abaixo:
create sitio_ligante, ligante around 5
Agora, para realizar o docking vamos acessar o plugin do autodock clicando em “Plugin” – “Legacy Plugins” – autodock/vina. Atente-se para inserir o local onde estão instalados o AutoDockTools e o executável do vina.
Figura 6 – Inserindo caminho para os executáveis
5. Na aba “Grid”, vamos estabelecer o valor da caixa e seu centro no ligante, usando o sítio que criamos anteriormente.
Figura 7 – Delimitando a região onde será realizado o docking
Basta marcar a opção “Calculate grid center by selection” e em seguida digite na aba de seleção o sítio do ligante que marcamos na etapa anterior. Clique no botão “Show Box” e selecione a opção “Calculate Grid Center by Selection”. Digite sitio_ligante na caixa de diálogo e clique no “ enter”.
OBS: o Vina não faz um pré-cálculo de Grid. Porém, uma demarcação da área de docking (sítio ativo ou até mesmo a proteína toda) precisa ser estabelecida.
Figura 8 – Visualizando a Grid Box.
6. A preparação do receptor é feita na aba “Receptor”. Em “PyMOL Selections” escolha 1UWJ. Clique em “Generate Receptor”, nessa etapa o arquivo será convertido no formato pdbqt que é exigido para o docking. Nesta fase é possível flexibilizar os resíduos de interesse do sítio do receptor, mas não utilizamos essa opção usualmente para o redocking.
Figura 9 – Preparando o receptor
7. A preparação do ligante é feita na aba “Ligands”. Em “PyMOL Selections” escolha “ligante”. Clique em “Generate Ligand”, nessa etapa o arquivo será convertido no formato pdbqt que é exigido para o docking.
Figura 10 – Preparando o ligante
8. Com a área do grid selecionada, receptor e ligante preparados, podemos realizar o docking. Na aba “Docking”, clique no botão “Vina”. Aqui você pode selecionar o número de poses a serem geradas e se utilizaremos as cadeias flexibilizadas.
Figura 11 – Executando o docking
Depois de gerar as poses, é exibido no terminal de comando do computador a afinidade de interação. Lembre-se de que quanto mais baixa essa medida de energia, maior a afinidade predita entre o ligante e a proteína.
Figura 12 – Resultado do docking no terminal de comando
9. Ao final você pode visualizar as poses geradas na aba “View Poses”. Clique no botão “Browse” e selecione o arquivo ligante.docked.pdbqt.
Figura 13 – Abrindo os resultados do docking no PyMOL
Para mostrar todas as poses obtidas na janela de visualização do PyMOL, clique no botão “Show all”.
Figura 14 – Visualizando os resultados do docking no pymol
10. Por fim, vamos calcular o RMSD entre as poses obtidas no docking e estrutura experimental. Para isso podemos utilizar o comando:
rms_cur ligante.docked_1, ligante rms_cur ligante.docked_2, ligante rms_cur ligante.docked_3, ligante rms_cur ligante.docked_4, ligante rms_cur ligante.docked_5, ligante rms_cur ligante.docked_6, ligante rms_cur ligante.docked_7, ligante rms_cur ligante.docked_9, ligante rms_cur ligante.docked_10, ligante
Para ser considerado um bom resultado de re-docking você precisa ter obtido uma pose com RMSD < 2.0 Å. Caso isso não tenha ocorrido devemos ajustar os parâmetros, sendo eles tamanho, localização da caixa e resíduos que foram considerados com sítio.
Conclusões
No experimento acima podemos observar que o re-docking foi bem sucedido, observando os valores de RMSD. O que nos sugere que a ferramenta e os parâmetros utilizados estão dentro do esperado.
A realização do procedimento de re-docking nos ajuda a validar a ferramenta utilizada e sua utilização é altamente recomendada antes da realização do docking com seus ligantes de interesse.
Referências
[1] MENG, Xuan-Yu et al. Molecular docking: a powerful approach for structure-based drug discovery. Current computer-aided drug design, v. 7, n. 2, p. 146-157, 2011.
[2] Lepšík, M., Řezáč, J., Kolář, M., Pecina, A., Hobza, P., & Fanfrlík, J. (2013). The Semiempirical Quantum Mechanical Scoring Function for In Silico Drug Design. ChemPlusChem, 78(9), 921–931. 3.
[3] Forli, S., Huey, R., Pique, M. E., Sanner, M. F., Goodsell, D. S., & Olson, A. J. (2016). Computational protein–ligand docking and virtual drug screening with the AutoDock suite. Nature Protocols, 11(5), 905–919. doi:10.1038/nprot.2016.051 4.Trott O, Olson A
[4] AutoDock Vina: improving the speed and accuracy of docking with a new scoring function, efficient optimization, and multithreading. J Comput Chem. 2010;31(2):455-461. doi:10.1002/jcc.21334.
[5] Wan PT, Garnett MJ, Roe SM, Lee S, Niculescu-Duvaz D, Good VM, Jones CM, Marshall CJ, Springer CJ, Barford D, Marais R; Cancer Genome Project. Mechanism of activation of the RAF-ERK signaling pathway by oncogenic mutations of B-RAF. Cell. 2004 Mar 19;116(6):855-67. doi: 10.1016/s0092-8674(04)00215-6. PMID: 15035987.
[6] Mateev, Emilio, et al. “Validation through re-docking, cross-docking and ligand enrichment in various well-resoluted MAO-B receptors.” Int J Pharm Sci Res 13 (2022): 1000-100
[7] Shamsara J. CrossDocker: a tool for performing cross-docking using Autodock Vina. Springerplus. 2016 Mar 17;5:344. doi: 10.1186/s40064-016-1972-4. PMID: 27652002; PMCID: PMC4797978.
Autores: Luana Luiza Bastos https://orcid.org/0000-0002-6932-0438, Giovana Fiorini https://orcid.org/0000-0002-1004-3480
Revisão: Ana Carolina Silva Bulla, Lucianna Helene Santos, Thiago de Camargo, Rafael Rocha
Nota de transparência: este material foi originalmente produzido para um minicurso ministrado durante o Curso de Inverno em Bioinformática da UFMG, realizado em 4 de Julho de 2023, na Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil.
Cite este artigo:
Bastos, LL; Fiorini, G. Re-docking Molecular Utilizando o PyMOL e AutoDock VINA. BIOINFO. ISSN: 2764-8273. Vol. 3. p.21 (2023). doi: 10.51780/bioinfo-03-21