O Laboratório de Tecnologia Educacional e Bioinformática – LaTEB – e seu esforço para levar a Bioinformática para a educação básica

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A Bioinformática é uma área que vem crescendo bastante ao longo dos últimos anos, permitindo o avanço de muitas áreas tanto das Ciências Biológicas quanto das Exatas. Sua importância se mostra notável , cada vez mais cursos de graduação e, especialmente, de pós-graduação onde estão sendo oferecidos em diversas modalidades de ensino, o que contribui significativamente para a difusão de conhecimento e formação de mão de obra qualificada para a realização das análises de dados necessárias. No entanto, apesar de sua reconhecida importância no meio acadêmico e científico, a Bioinformática ainda está muito distante da sala de aula das escolas da educação básica de todo o Brasil, como também não faz parte do arcabouço de conhecimento de muitos docentes que atuam neste nível de ensino. Porém, percebe-se que essa disciplina já está nos livros didáticos quando o assunto trata de genoma, sequenciamento do material genético, transcritoma, dentre outros termos, assim como em avaliações nacionais como a Olimpíada Brasileira de Biologia, que é aplicada aos discentes do ensino médio e, por isso, se faz necessário um esforço conjunto para que esta área do conhecimento seja amplamente conhecida e divulgada em todos os níveis de ensino.

Autores: Tarcisio José Domingos Coutinho: https://orcid.org/0000-0002-0008-4502, Camila Franco Batista de Oliveira: https://orcid.org/0000-0001-6578-9514

Revisão: Ariany, Sheila, Carlos Campelini

INTRODUÇÃO

A Bioinformática não é uma área científica recente, no entanto, cada vez mais ela tem impactado a vida da população de maneira geral como, por exemplo, durante a estratégia de sequenciamento e análise das variantes do vírus SARS-CoV-2, causador da COVID-19, que foram amplamente difundidas durante o surto pandêmico que manteve a população humana em isolamento social por quase dois anos [1].

O crescente avanço da Bioinformática e suas ferramentas computacionais, assim como a grande quantidade de informações contidas em diversos bancos de dados tem exigido cada vez mais profissionais capacitados, o que tem proporcionado o surgimento de diversos cursos de graduação e pós-graduação por todo o país [2].

Além do ensino superior, já é possível observar que conteúdos de biologia, contidos em livros didáticos e trabalhados no ensino médio, possuem conceitos e exemplos de técnicas e aplicações de Bioinformática, assim como temas relacionados com a área já são explorados em avaliações nacionais como, por exemplo, a Olimpíada Brasileira de Biologia [3].

No entanto, a Bioinformática não é explorada em sua plenitude em diversas escolas da educação básica e isso está intimamente relacionado com a formação inicial e continuada de professores, uma vez que os cursos de graduação, e os oferecidos pelas instituições de ensino, não fornecem nem trabalham estratégias pedagógicas relacionadas ao tema [4].

Uma das grandes vantagens de abordar a Bioinformática na educação básica consiste no fato de aproximar a pesquisa de ponta, das mais diferentes realidades escolares do país e assim estimular a curiosidade pelas análises de dados biológicos o que pode, certamente, despertar, de forma precoce, novos pesquisadores e guiá-los para cursos de graduação mais específicos. [5].

O uso da Bioinformática voltada para projetos de ensino, pesquisa e extensão em escolas da educação básica não é nenhuma novidade para muitos países.  Entretanto, no Brasil ainda há poucas iniciativas neste âmbito, por isso se faz necessário um movimento organizado que estimule o uso e a discussão da Bioinformática nas escolas públicas e privadas de todo o país [6].

O sucesso de uma iniciativa como a descrita acima, está fortemente ligado  com um intenso trabalho de transposição didática, onde, tanto professores e bioinformatas em formação, quanto os que já estão inseridos no mercado de trabalho, precisam desenvolver habilidades e executar estratégias de ensino que sejam capazes de tornar temáticas complexas em conteúdos que possam ser compreendidos e aplicados  pelos discentes da educação básica.

O LABORATÓRIO DE TECNOLOGIA EDUCACIONAL E BIOINFORMÁTICA – LaTEB

Com a nossa chegada no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), na cidade de Acaraú, em maio de 2019 e início das atividades no curso de Licenciatura em Ciências Biológicas, resolvemos criar um grupo de estudo em Bioinformática.Alguns meses após o início das atividades do grupo, resolvemos nomeá-lo como um laboratório e iniciamos a orientação em trabalhos de conclusão de curso e a divulgação das ações por meio das mídias digitais, mas ainda sem um espaço físico definido para que as reuniões/encontros com os discentes pudessem ocorrer.

Após o fim do período de isolamento social desencadeado pela pandemia do Sars-CoV-2, ou seja, em março de 2022, o LaTEB finalmente foi alocado em uma sala com computadores instalados e, desde então, foi possível organizar e executar ações de forma mais efetiva.

ALGUMAS AÇÕES VOLTADAS PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA

A ideia de utilizar a Bioinformática como uma ferramenta pedagógica voltada, especialmente, para a educação básica nasceu durante o  período no qual os autores cursavam o doutorado em Bioinformática na UFMG e está intimamente ligada ao fato de que ambos são licenciados em biologia.À medida que nos aprofundamos nos conteúdos e constatamos a diversidade de softwares utilizados para as mais diversas análises, era impossível não imaginar como seria uma aula de biologia molecular, por exemplo, onde os discentes tivessem a oportunidade de analisar dados biolǵicos reais e extraíssem conhecimento biológico válido dessas análises.

O processo de ensino e aprendizagem de conteúdos relacionados com genética, bioquímica, biologia celular e molecular, é muito desafiador tanto para docentes quanto para discentes da educação básica, pelo fato de que essas áreas exigem um elevado nível de abstração, pois é preciso imaginar com as moléculas interagem entre si e realizam reações químicas no ambiente celular [7].Por conta desse desafio, muitos conteúdos são superficialmente ensinados e/ou são tratados de forma meramente descritiva forçando o discente apenas a decorar sem ao menos aprende-lo de forma efetiva se tornando uma reação em cadeia que muitas vezes só é percebido quando esses discentes  chegam ao ensino superior [8].Por isso,  a utilização de alternativas metodológicas que contribuam para diminuir as dificuldades de aprendizagem por parte dos discentes e facilitar a compreensão de temas abstratos para os mesmos são fundamentais e  o uso de ferramentas de  Bioinformática pode ajudar bastante neste aspecto [9].

No entanto, o maior empecilho dentro deste processo, consiste na capacitação docente para o uso de ferramentas de Bioinformática em sala de aula, uma vez que, boa parte dos profissionais, que atuam nas escolas brasileiras, não teve formação e/ou até mesmo desconhece a área e seu potencial de uso e, quando contatados sobre a possibilidade de realização de alguma atividade que envolva um software específico, não se sentem confortáveis por conta do déficit de capacitação [4].

Nessa perspectiva, o LaTEB desenvolveu e executou um curso de forma remota, durante a pandemia, para docentes das ciências da natureza em formação e já inseridos no mercado de trabalho, contando com 120 inscritos, sendo a maioria pertencente às escolas públicas estaduais. Este curso durou três meses e abordou temas como alinhamento de sequências, conceitos introdutórios de diversas ciências ômicas, alguns banco de dados biológicos, aspectos gerais sobre evolução molecular e a utilização do software MEGA, que realiza análises evolutivas a partir de sequências de ácidos nucleicos e proteínas.

Este curso teve por objetivo principal divulgar as diversas áreas da Bioinformática sempre mostrando sua relação com o dia a dia e como estas poderiam ser utilizadas em sala de aula para explicar conteúdos de biologia e áreas afins. Além disso, a explicação do funcionamento de um software voltado para análises evolutivas como MEGA, proporcionou aos participantes visualizarem como uma ferramenta computacional, que pode facilmente ser instalada em computadores da escola, poderia ser utilizada como um recurso didático.

Na mesma intenção de contribuir com a capacitação docente, um dos discentes do LaTEB produziu um manual no qual foram propostas aulas para o ensino médio utilizando o MEGA. A ideia do manual é fornecer um passo a passo de todas as etapas, desde a instalação do software, como baixar arquivos, até a execução de alinhamentos e análises evolutivas. Além disso, foram fornecidas cinco aulas para serem executadas, contendo toda a explicação necessária sobre os temas abordados em cada conteúdo.

Outra ação voltada para docentes da educação básica foi a produção, em parceria com diversos colegas, do livro digital intitulado Ciências na escola: Práticas de Bioinformática para o ensino médio, da editora EDUCS, pertencente à Universidade de Caxias do Sul. Este e-book traz várias atividades práticas sobre diversos temas que podem ser executadas em aulas de biologia e áreas afins.

Outra abordagem que pode contribuir significativamente para uma maior presença da Bioinformática na educação básica, consiste em estimular a iniciação científica dos discentes, explorando bancos de dados biológicos, na intenção de responder perguntas do cotidiano. Uma ação como essa pode ser fundamental para a melhoria da qualidade do processo de ensino-aprendizagem, além de contribuir para formação discente mostrando, que na escola, este estudante pode  fazer ciência computacional de qualidade [10] .

Um exemplo de iniciação científica do LaTEB consiste na parceria com a Escola Estadual de Tempo Integral Maria Alice Ramos Gomes localizada no município de Acaraú, no estado do Ceará onde, recentemente, quatro discentes e seus professores de biologia procuraram o laboratório para colaborar em um trabalho sobre infecção urinária. A pesquisa consistia em realizar um levantamento sobre infecção urinária nos alunos da escola, como também buscar informações sobre o uso de antibiótico pelos estudantes Sendo assim, para complementar a pesquisa, os discentes baixaram genomas, a partir do NCBI (https://ncbi.nlm.nih.gov/nuccore), de Escherichia coli uropatogênicas e submeteram ao CARD (https://card.mcmaster.ca/), a fim de verificar a presença e tipo dos principais mecanismos de resistência das bactérias, bem como a quais antibióticos elas  apresentaram resistência.Em posse destes dados, os discentes uniram estas informações aos resultados do levantamento escolar e apresentaram na feira de ciências da escola e, também, em uma regional que é organizada pela Secretaria de Educação do Estado do Ceará.

Uma atividade de iniciação científica como a descrita,  faz parte de uma abordagem interdisciplinar de aprendizagem conhecida como STEAM (acrônimo em inglês para “Science, Technology, Arts, Engineering and Maths” – ciência, tecnologia, artes, engenharia e matemática) e relacionada com uma metodologia ativa do tipo “faça você mesmo” (MAKER), o que contribui de maneira substancial  para a formação discente [11].

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não é recente o fato de que a utilização de ferramentas computacionais de Bioinformática no ensino de ciências da natureza é importante para a melhoria da qualidade de ensino, pois permite aos discentes uma melhor compreensão de fenômenos que são invisíveis a olho nu. No entanto, essa abordagem metodológica ainda é pouco utilizada no Brasil e, por isso, toda e qualquer iniciativa de atividade que envolva a Bioinformática e a educação básica deve ser estimulada e divulgada.

É necessário que os cursos de licenciatura em ciências da natureza, assim como os programas de pós-graduação em ensino e Bioinformática incentivem, em seus projetos pedagógicos, componentes curriculares que capacitem profissionais para o uso da Bioinformática nos diversos níveis de ensino, de forma a espalhar esse conhecimento por todo o país.

O poder público, em suas diversas instâncias, como também as associações de classes relativas ao ensino e à Bioinformática, precisam estimular e prover fomento para projetos duradouros e abrangentes de capacitação docente, além do desenvolvimento de linhas de pesquisa voltadas especificamente para a abordagem da Bioinformática na educação básica.Neste sentido, acreditamos que se unirmos forças podemos contribuir para a melhoria do ensino de nosso país, bem como estimular de forma cada vez mais precoce os adolescentes e jovens a enveredar pelo mundo da Bioinformática.

Referências

[1] GIOVANETTI, M. et al. Genomic epidemiology of the SARS-CoV-2 epidemic in Brazil. Nature Microbiology, v. 7, n. 9, p. 1490-1500, set. 2022. DOI: 10.1038/s41564-022-01191-z. Epub 2022 aug 18. PMID: 35982313; PMCID: PMC9417986.

[2] ATTWOOD, T. K. et al. A global perspective on evolving bioinformatics and data science training needs. Briefings in Bioinformatics, v. 20, n. 2, p. 398-404, mar. 2019. DOI: 10.1093/bib/bbx100. PMID: 28968751; PMCID: PMC6433731.

[3] DE SÁ NETO, C. C.; SILVEIRA, T. C.; LIMA, N. M.; ANDRADE, T. de J. A. dos S. Tópicos de biotecnologia: uma perspectiva nos livros didáticos de biologia do ensino médio a partir do PNLD. Acta Tecnológica, v. 15, n. 1, p. 39-56, 2021. DOI: 10.35818/acta.v15i1.877.

[4] MORAES, I. O.; CEZAR-DE-MELLO, P. F. T. O que pensam os docentes sobre o uso da bioinformática no ensino de biologia. Revista Brasileira de Ensino de Ciência e Tecnologia, v. 14, n. 2, p. 75-94, mai./ago. 2021.

[5] MARTINS, A. et al. Bioinformatics-based activities in high school: fostering students’ literacy, interest, and attitudes on gene regulation, genomics, and evolution. Frontiers in Microbiology, v. 11, p. 578099, out. 2020. DOI: 10.3389/fmicb.2020.578099. PMID: 33162959; PMCID: PMC7591593.

[6] MARQUES, I. et al. Bioinformatics projects supporting life-sciences learning in high schools. PLoS Computational Biology, v. 10, n. 1, e1003404, jan. 2014. DOI: 10.1371/journal.pcbi.1003404. Epub 2014 jan 23. PMID: 24465192; PMCID: PMC3900377.

[7] COSTA, A. F. da; SOUZA, D. N. do N.; BEZERRA, N. M.; MARQUES, R. C. P.; LIMA, L. A. de; SANTOS, P. de C. Desafios docentes no ensino de Biologia: diagnóstico sobre o perfil de professores, conteúdos complexos e fatores limitantes da área. Peer Review, v. 6, n. 14, p. 216-233, 2024. DOI: 10.53660/PRW-2434-4430.

[8] LOPES, W.; MOREIRA MONTEIRO DO NASCIMENTO, R.; MACHADO NAHUM, H. A abordagem dos conteúdos de Biologia Molecular no Ensino Médio utilizando metodologias educativas. Revista Ensin@ UFMS, v. 4, n. 8, p. 496-520, 31 dez. 2023.

[9] FERNANDES TAVARES CEZAR-DE-MELLO, P.; DE SOUSA, F. B.; DOS SANTOS, A. C.; DOMINGOS COUTINHO, T. J. Há espaço para a bioinformática no ensino de biologia? Lições de estudantes do ensino médio. Revista de Ensino de Bioquímica, v. 21, n. 2, p. 179-191, 2023. DOI: 10.16923/reb.v21i2.1050.

[10] BAIN, S. A. et al. Bringing bioinformatics to schools with the 4273pi project. PLoS Computational Biology, v. 18, n. 1, e1009705, jan. 2022. DOI: 10.1371/journal.pcbi.1009705. PMID: 35051174; PMCID: PMC8775354.

[11] BLISS, S. S. et al. Learning and STEM identity gains from an online module on sequencing-based surveillance of antimicrobial resistance in the environment: An analysis of the PARE-Seq curriculum. PLoS One, v. 18, n. 3, e0282412, mar. 2023. DOI: 10.1371/journal.pone.0282412. PMID: 36897842; PMCID: PMC10004520.

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